Em 26 de outubro de 2019 o educador Felipe Brito iniciava mais uma formação do ProfLab no Recife. Era a primeira edição aberta da turma Design Criativo para Espaços Virtuais de Aprendizagem. Não havia coronavírus, nem pandemia e muito menos isolamento social.
O objetivo de Felipe sempre foi apresentar estratégias a fim de garantir as condições necessárias para desenvolver um ambiente que estimule a criação. Para Felipe há diferenças entre um ambiente criativo e um ambiente que ofereça condições para a criatividade acontecer. Nós concordamos com ele.
As reflexões de Felipe são bastante pertinentes e foi a partir delas que surgiu o desenho dessa formação para o ProfLab. Atuando nos cursos à distância dentro da universidade, ele observou que os ambientes virtuais de aprendizagem, por mais atraentes que sejam, podem não ser suficientes para estimular a criatividade e engajar os alunos. O mercado está cheio de plataformas e ferramentas, muitas delas gratuitas ou de código aberto, mas o que fazer diante de uma página em branco ou de um framework vazio? Era preciso analisar o contexto, desenhar uma experiência de aprendizagem com foco na autonomia do aluno, além de explorar linguagens e formatos. Tais movimentos independem da plataforma.
Com essas questões em mente e a mentoria presencial de Felipe Brito, treze educadores participaram do Proflab e criaram experiências fictícias deslocando o foco da plataforma para a experiência de aprendizagem em si. Como resultado um curso preparatório de redação para o Enem, um curso de gestão de crise ambiental e um curso de preparação de macarrão instantâneo.
Em busca da perfeição que não existe
Nós só temos controle sobre a nossa própria aprendizagem. Não temos controle sobre a aprendizagem do outro que pode acontecer em momentos e locais diversos e de variadas formas. É por esse motivo que mais importante que repassar conceitos é criar condições para que o outro vivencie esses conceitos. Uma forma eficiente é estimular a criatividade e oferecer condições para que a criação aconteça. Parece complicado, mas se observarmos com cuidado percebemos que é possível fazer.
No caso de um ambiente virtual de aprendizagem, uma das maiores angústias que vivemos é querer produzir conteúdo num nível profissional avançado. Queremos gravar o vídeo perfeito, montar a apresentação de slides esteticamente mais atraente e quem sabe até desenvolver um app para nossos alunos. E às vezes esquecemos de perguntar onde é que entra a participação dos alunos em tudo isso. Um vídeo lindo, com qualidade de cinema, que não nos toca ou não nos motiva é só mais um vídeo. Uma live em que pedimos para os estudantes desligarem câmeras e microfones o tempo todo é como uma aula presencial daquelas em que os alunos não participam.
Tudo isso ficou muito claro para nós nesses meses de pandemia, apesar de já ser um cenário que vem sendo desenhado há algum tempo nos ambientes virtuais. Crianças e jovens não estão interessados em perfeição, estão interessados em troca, em interação e em criação. Quer um exemplo? O sucesso de aplicativos como TikTok e a função Reels do Instagram em que são criados e compartilhados vídeos curtos sobre qualquer coisa com base em desafios que os próprios usuários propõem.
Masterchef Miojo
Professor do Ensino Médio Técnico da rede estadual de Pernambuco, André César Gomes sabe disso e fez uma conexão interessante entre o que criou na formação Design Criativo para Espaços Virtuais de Aprendizagem e as demandas de ensino remoto da Eletiva de Gestão de Projetos. Ele inclusive já marcou presença no blog com outro grande projeto que você pode conhecer aqui.
André criou com seu grupo no ProfLab um curso online fictício chamado MasterChef Miojo. O objetivo era que os interessados aprendessem a fazer receitas inovadoras de macarrão instantâneo ao acessar a plataforma do curso. Para isso teriam acesso a receitas, orientações e vídeos divertidos.
O que parecia ficção virou realidade quando o professor teve que adaptar suas aulas para o ensino remoto. Foi daí que surgiu a ideia de aplicar o MasterChef Miojo na sua disciplina de gestão de projetos. Pensando no protagonismo dos estudantes, André lançou o desafio para que eles criassem uma receita inovadora de macarrão instantâneo. O diálogo com a disciplina se deu através dos critérios: não era permitido usar o saquinho de tempero do pacote e nenhuma das receitas poderia ter custo superior a cinco reais.
Com o desafio lançado os alunos de André César deram início a uma jornada de pesquisa e cálculos que os fez entender na prática os principais conceitos da gestão de projetos como o cálculo de custos, de tempo, os recursos humanos envolvidos, os riscos e o padrão de qualidade. Tudo isso de uma forma simples e divertida que dificilmente será esquecida. Além dessas aprendizagens, também tiveram contato com situações inusitadas do cotidiano da cozinha que alguns não conheciam.
De acordo com o desafio a receita deveria ser executada e o sabor avaliado por algum membro da família ou pelo próprio aluno. Quem se sentisse mais confortável com as tecnologias poderia gravar a preparação da receita em vídeo que seria exibido durante as aulas remotas. Eu tive a honra de ser convidada para uma dessas aulas e o que vi foi um show de criatividade e domínio do assunto. Nos vídeos, além dos conceitos da disciplina os estudantes exercitaram a criatividade na produção e na edição. O humor dá o tom das narrativas em todos eles.
Pedro Silva é o autor da produção mais longa. Em pouco mais de três minutos ele narra toda a saga do desafio proposto pelo professor e também explica em detalhes os cálculos, os erros e os acertos, além dos custos de cada porção dos ingredientes. Foi do vídeo de Pedro que saíram reflexões como: de um repolho com 19 folhas, quantas devo utilizar para gastar apenas 20 centavos? Pedro também comentou sobre as regras de três que precisou fazer para calcular os custos de dois camarões e de uma colher de molho de soja que não poderiam ultrapassar o teto de custos do projeto. Nos divertimos bastante quando percebemos que o custo do pimentão estava mais alto que o do camarão e do creme de leite na receita do Pedro.
A aluna Amanda Laryssa fez a gente rir com um modo de preparo acompanhado de uma cantoria em “francês” muito engraçada. Ela apostou no humor e garantiu que a gente assistisse a sua produção até o fim.
Já Maria Vitória Enéas deu um show de criatividade fotografando e gravando as etapas da receita em pequenos vídeos boomerang utilizando a função Stories do Instagram. Em seguida juntou tudo em edição num outro aplicativo, provando que não mediu esforços para concluir o desafio proposto pelo professor. O aluno Denis Feliciano também usou a mesma técnica, mas convidou a mãe para provar o resultado no final. Ela encerra o vídeo com a frase: – Ficou bom, só faltou um pouquinho de sal, a cereja que faltava no bolo ou melhor dizendo, no miojo.
Gabriel Silva fez um vídeo “curto e grosso”. Jogou todos os ingredientes no balcão, em seguida pôs na panela e resolveu sua receita de miojo com salsicha em 47 segundos. O famoso meme de coice de cavalo encerrou a produção e fez a gente entender a narrativa e rir ainda mais.
Esses foram os resultados dos primeiros desafios da disciplina do professor André César em seu projeto MasterChef Miojo. Ao longo do semestre ele e os alunos passaram a criar novas etapas e missões. No momento em que escrevo essa postagem eles estão pensando no desafio Miojo Vegano para aumentar o grau de dificuldade do desafio.
Aulas remotas depois do período de “novidade”
Depois de acompanhar a aula e a exibição dos vídeos eu pude conversar um pouco com os alunos da turma do professor André César Gomes. Aproveito para agradecer a oportunidade de acompanhar tão de perto a experiência de aprendizagem e dessa forma trocar ideias com estudantes tão criativos.
Durante nossa conversa questionei-os sobre gostar ou não das aulas remotas. Amanda Laryssa prontamente respondeu que gostar era uma palavra muito forte e que sentia falta do contato humano, assim como Pedro que também destaca a falta de contato presencial como algo ruim. Para Amanda é mais difícil manter a concentração no ambiente online.
Já Maria Vitória afirma ter sido muito cansativo porque acredita que o online ‘’puxa’’ mais da mente que o presencial. Apesar do cansaço, Denis Feliciano comenta que gosta de assistir à aula de casa, mas afirma que como tem sido uma experiência nova pra todo mundo, ficou difícil para os professores pensar em algo legal quando eles precisavam entender e dominar as ferramentas antes disso. Denis também levantou um ponto importante sobre os professores que criam algo diferente sem consultar os alunos como, por exemplo, atividades que demandam a câmera ligada sem que os alunos se sintam confortáveis em participar.
Questionados sobre o que os levou a gravar o vídeo da receita, afinal não era uma atividade obrigatória, todos destacaram o estímulo a vivenciar uma experiência nova. Alguns nunca tinham preparado um macarrão instantâneo sem usar o tempero da embalagem. Isso aguçou a curiosidade não só de tentar fazer como também de experimentar o resultado comendo. ‘’A gente nunca tinha vivido nada do tipo em 10 ou 15 anos como aluno na escola, estudando desde pequeno. A gente não tem a experiência de pegar uma coisa pra gente realmente fazer, só a gente fazer. Quando vem uma ideia dessa, a gente tem na cabeça a vontade de criar uma coisa realmente da gente e ainda de aprender brincando’’, concluiu Denis.
Pedro Silva achou a princípio que o desafio era uma brincadeira do professor com a turma. Por outro lado, na hora de fazer os cálculos, a ficha caiu. Amanda Laryssa não gosta de miojo e decidiu fazer a receita da mesma forma para, segundo suas palavras ‘’ ver no que ia dar’’. Amanda complementa afirmando que a gravação do vídeo foi muito importante porque facilitou na hora de aprender os processos do projeto e ‘’aproximou mais dessa história de EaD’’.
O que aprendemos com as experiências de aprendizagem
Mais uma vez a gente percebe que a plataforma é o que menos importa. A experiência de aprendizagem desenhada pelo professor André César tem potencial para acontecer em qualquer cenário, seja ele presencial ou online. Percebemos também que quando falamos em experiência de aprendizagem, falamos em gerar condições para que o nosso aluno crie e não para que a gente crie por ele. Experiência de aprendizagem é mais do que mostrar a erupção do vulcão de bicarbonato e vinagre que você criou como professor. É desafiar o aluno a construir o seu próprio vulcão que talvez nem tenha lava ou explosão, mas que vai despertar o desejo de pesquisar e fazer.
8 comentários
Ana Cristina Pereira Diniz · 13 de agosto de 2020 às 08:27
Achei interessantíssimo!!! Criar condições para que nossos estudantes aprendam, respeitando tempos e trajetórias é um super desafio e relatos como esses nos anima! Grata!
Andre Cesar Gomes · 21 de agosto de 2020 às 18:34
Oi Ana, que bom que gostou do desafio proposto. Os alunos ficaram muito motivados e ainda teremos outros durante este ano.
Andre Cesar Gomes · 21 de agosto de 2020 às 18:34
Oi Ana, que bom que gostou do desafio proposto. Os alunos ficaram muito motivados e ainda teremos outros durante este ano.
José Moran · 13 de agosto de 2020 às 12:38
Karla: Brilhante tanto a proposta do Prof. André como o seu relato das etapas e resultado do desafio. . Vou compartilhá-lo e comentá-lo nas minhas lives e webinars. Grande abraço. José Moran
Karla Vidal · 21 de agosto de 2020 às 17:23
Professor, Moran! Muito obrigada pela visita e pelas palavras. Vindas do senhor eu tenho certeza de que estamos todos seguindo o melhor caminho junto com nossos alunos e professores. Uma alegria imensa saber que as experiências que nascem por aqui servirão de exemplo para suas lives e webinars. Conte sempre conosco. Abraços!
André César Gomes · 21 de agosto de 2020 às 18:38
Prof. Moran, agradeço as palavras que me motivam a prosseguir nesta jornada junto com meus educandos. Faço das palavras de Karla Vidal as minhas.
Joseilma Barbosa · 15 de setembro de 2020 às 10:13
As experiências inovadoras faz com que o estudante desperte para o seu potencial criativo. A aula se torna num formato diferente e busca os meios dos estudantes se engajarem e mudar seu próprio planejamento no intuito de corresponder ao desfio proposto.
Karla Vidal · 3 de janeiro de 2021 às 19:32
É exatamente isso! Você captou muito bem a essência de tudo, Joseilma.