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Por Alex Sandro Gomes

Estamos sempre falando de pessoas quando discutimos a aplicação de tecnologias no educação. Essa discussão envolve paradigmas opostos e a tomada de posição consciente nem sempre é imediata. Em toda atividade com tecnologia há dois polos: o humano e a ferramenta. Alguns autores dão a esse cenário o nome de sistema sociotécnico.

A Cultura Digital na Educação Básica muitas vezes é apresentada a partir de uma perspectiva tecnológica. Ao longo do século XX vimos isso acontecer inúmeras vezes: no rádio, na TV, nos computadores, na Internet, e em muitas outras criações humanas. Sempre que apresentamos isoladamente uma tecnologia seus usos e possíveis aplicações estamos centrando o discurso no objeto tecnológico. Esse é um ponto de vista tecnocêntrico.

A Educação Básica tem a promoção da apropriação de ferramentas e mídias como um de seus propósitos sociais. O uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no ensino é justificado pela necessidade de socialização nos novos meios de comunicação e produção. A ação consciente da apropriação pode promover a inclusão de diferentes atores na sociedade, fomentando amplo desenvolvimento de comunidades e indivíduos.

No entanto, há uma distância abissal entre a justificativa da apropriação e sua realização. Durante décadas os professores aprenderam apenas como manipular as ferramentas (paradigma de apropriação) e não como produzir ou estimular a produção de conhecimento através delas. Isso era evidente quando ainda na década de 1990 as pessoas entendiam que precisavam fazer cursos para aprender a usar computadores e seus programas.

Recentemente esse paradigma de apropriação foi internacionalmente reconhecido como ineficiente [PEÑA-LÓPEZ, 2015]. O processo de socialização deve ser mais amplo que a necessidade de apropriação de novas ferramentas. Parafraseando o relatório recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “nenhuma tecnologia resolve um mau ensino”.

Processos de mediação

No processo de socialização ocorrem fenômenos que devem ser considerados como essenciais no exercício da prática educativa. Esses fenômenos cognitivos e culturais são em essência processos de mediação de desenvolvimento e aprendizagem. Nos processos de mediação, professores e alunos produzem juntos, comunicam-se durante a produção, expressam suas ideia, tentam resolver problemas, pensam de forma sistêmica isolando e abordando pontos críticos.

Se por um lado tentou-se por décadas convencer professores a usar tecnologias, hoje entendemos que é mais importante fazer com que percebam as suas necessidades e dar a eles a liberdade de escolher que tipo de ferramenta é mais adequadas para atendê-las.

Isso muda muita coisa. O professor precisa conhecer inúmeras ferramentas para identificar qual delas é a mais pertinente em uma determinada situação. Fazendo isso o professor não vira refém de uma escolha exterior a sua vontade. É importante lembrar que nem sempre a tecnologia mais “moderna” e mais “badalada” é a mais adequada para a solução de um problema. Ao escolher de forma consciente o professor atribui um sentido próprio e pessoal para o artefato escolhido.

Quando uma ferramenta computacional é indispensável para a realização de uma tarefa algo que não seria feito sem ela  o sentido efetivo dessa tecnologia terá sido percebido. Nessas situações a ferramenta aumenta a capacidade humana para realizar esse tipo de atividade. É nesse momento que podemos afirmar que as tecnologias efetivamente ampliam as capacidades cognitivas, individuais e sociais humanas para comunicar, produzir e expressar.

Quando o uso de uma ferramenta acontece a partir de escolhas conscientes e espontâneas dizemos que a abordagem ocorre a partir de um ponto de vista humano. Nenhuma orientação de uso que desconsidere esse ponto de vista faz sentido, conforme pudemos perceber no cenário educacional das últimas décadas.

Referências

PEÑA-LÓPEZ, Ismael et al. Students, Computers and Learning. Making the Connection. 2015.

RHEINGOLD, Howard. Tools for thought: The history and future of mind-expanding technology. MIT Press, 1985.

 


Alex Sandro Gomes

Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Paris é professor no Centro de Informática da UFPE e líder do grupo de pesquisa Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional.

2 comentários

Claus Santos · 31 de março de 2016 às 11:43

Ótimo texto professor!
Nos motiva a continuar buscando formas inovadoras, através das TIC’s, para expandir as formas e metodologias de ensino para além de uma sala de aula.

Cordial abraço,
Claus

    Alex Sandro Gomes · 31 de março de 2016 às 19:53

    Olá Claus,
    Obrigado pelo retorno. De fato, acredito que o problema precisa ser colocado de forma adequada. Algumas maneiras de analisar o fenômeno do uso de tecnologia deixam de ser produtivas pois perguntam algo como “como usar a tecnologia ‘A’ no ensino?”. Fazendo a pergunta desta maneira, podemos gerar infinitas combinações de práticas, mas por outro lado, nunca saberemos se são efetivas para provocar os efeitos desejados ou qual a melhor. Um ponto de vista humano sobre o uso de tecnologias começa com a formulação de perguntas que remetem ao efeito provocado pelo uso no comportamento das pessoas: aceitação, efetividade, eficiência, conforto, percepção, engajamento, entre outros.
    Obrigado pelo comentário,
    Abraço,
    Alex

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