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Por Alex Sandro Gomes

O uso do celular é hoje em dia condição estratégica para uma série de atividades humanas. Isso pode ser percebido na ampla oferta de aplicativos para comunicação, localização, compras, serviços e outra infinidade de aplicações cotidianas.

Há mais de uma década o celular vem sendo utilizado como medida do volume de acessos a recursos de informação e comunicação. Ou seja, quanto maior a quantidade de celulares, maior também a quantidade de acessos a seus recursos. Em postagem recente, a educadora Fernanda Bergamo relaciona os hábitos de uso e lista as contribuições dos aparelhos celulares como plataformas para o aprendizado de linguagens [https://goo.gl/mNaCUU].

Na educação não é diferente, a modalidade de ensino móvel atinge a cada dia graus de maturidade teórica e metodológica e propõe soluções para problemas de forma efetiva. Não se trata mais de uma utopia técnica, e sim da real construção de práticas de ensino.

Como exemplo, podemos destacar o aplicativo Remind e sua proposta de integrar educadores e os responsáveis pelos estudantes. Esse e muitos outros aplicativos e funções podem ser inseridos tanto na formação de professores como na sugestão de práticas mais criativas do que o simples uso do giz e do quadro. A recente mudança do currículo de formação de professores, anunciada em meados de julho (http://goo.gl/agLMtR), pode ser o prenúncio de transformações há muito esperadas.

Levando em consideração nossa realidade educacional, um especialista não deveria defender um ‘ensino com celular’. Pensar o ‘ensino-com-uma-tecnologia-específica’ como sendo distinto, e por esse fato questionável, desloca o foco do essencial — a aprendizagem — para o objeto em si. Percebe-se isso claramente quando as manchetes destacam cada ‘nova moda’ tecnológica aplicada à educação.

Parafraseando Romero Tori (2010), que afirma que a educação é ‘sem distância’ mesmo quando na modalidade a distância, nenhuma tecnologia deveria qualificar as práticas de ensino. Assim, não faz sentido perguntar, por exemplo, se o ‘ensino com computador’ ou o ‘ensino com Internet’ ou mesmo o ‘ensino com celular’ são eficazes. O foco precisa estar no fenômeno didático ou simplesmente no ‘ensino’. Do ponto de vista do professor, lidar com novidades técnicas deveria representar apenas uma ampliação de sua prática didática, assim como um profissional de saúde muda de ferramenta a cada evolução da técnica.

A regulamentação do uso do celular nas escolas tem dividido opiniões em diferentes aspectos. Com o celular sempre ao nosso alcance na maior parte do dia, acabamos por utilizá-lo indiscriminadamente, e isso faz parecer que não temos controle sobre nossos hábitos. É nesse vácuo de bons costumes e limites claros que entram as leis. De fora para dentro da escola impõe-se o limite necessário [Pernambuco, em particular, com a Lei Nº 15.507, de 21 de maio de 2015, disponível em http://goo.gl/Lckaec]. Ou seja, devido à dificuldade de impor limites ao uso ou definir propostas de aplicações adequadas, perdemos a possibilidade de usufruir desta que está sendo a plataforma computacional escolhida pela maioria da população ao redor do mundo.

Por mais simples que seja, não cabe a um texto de opinião como este julgar ou mesmo tentar identificar culpados. As leis revelam tanto as fragilidades dos sistemas educacionais como as fragilidades das famílias em negociar limites no consumo, no respeito aos educadores e às instituições, e na relação com as autoridades que precisam ser respeitadas para que possam nos ajudar. Em outras palavras, as leis revelam uma falência social ampla de toda a rede associada ao fazer educativo. Se falta formação aos professores, falta também uma negociação explícita dos limites na educação para o acesso à comunicação.

Constatada a fragilidade das relações pessoais, familiares e institucionais para promover o uso do celular de forma adequada, entra em cena o papel regulador das leis. No entanto, é preciso observar que as leis surgem numa situação de urgência por controle, que pode ser comparada com a espera da chegada do pai, que estava no trabalho, para resolver uma peleja. A questão é que essa figura resolve decidindo o que deve ser feito e assumindo uma aura de superpoder. Será ele sempre chamado para resolver novos e futuros conflitos? E a autonomia das pessoas e das instituições para resolver as pendências?

Cabe aqui questionar o quão de fato a lei contribui com a educação. É função dos poder legislativo, estadual ou municipal, estabelecer esse limite? O que dizer do uso do celular enquanto hábito de uma cultura e que precisa ser vivenciado ao ponto de se negociar com maturidade os limites? A lei resolve? Ajuda ou adia o desenvolvimento dessa maturidade?

Se a lei é interpretada comodamente como restrição, sua função representa um efeito paralisante. Paramos de pensar novas formas de ensino, pois ‘é proibido’… Reside aí o perigo maior dessa forma de uso da lei.

Por outro lado, a lei pode ser interpretada como um convite para que sejam efetivamente criadas novas formas ‘autorizadas’ de uso educativo. O que as leis parecem expressar de fato. Elas não proíbem de forma plena, mas restringem o que os hábitos não conseguem frear. O caminho da obsolescência dessa regulamentação passa por empoderar professores e recriar a malha de regras sociais entre famílias, professores, alunos e sociedade. Fácil dizer, mas quem tomará a iniciativa?

Referências
TORI, Romero. EDUCAÇÃO SEM DISTÂNCIA. São Paulo: Senac, 2010.

 


Alex Sandro Gomes

Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Paris é professor no Centro de Informática da UFPE e líder do grupo de pesquisa Ciências Cognitivas e Tecnologia Educacional.

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